sábado, 14 de abril de 2018

 Arte pró-resistência

Jornal do BrasilMÔNICA RIANImonica.riani@jb.com.br
Como de hábito, desde 2012, a cada bimestre uma exposição é inaugurada na Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea, no Instituto Pretos Novos (IPN), na Gamboa. No próximo sábado, a rotina ganha tintas de protesto. Neste 14 de abril, completa-se o primeiro mês do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, até agora sem elucidação.
Esta e outras tragédias onipresentes na atualidade motivam a exposição “Absurdo é ter medo”, com fotografias, objetos, esculturas, pinturas e desenhos assinados por 20 artistas de todo o país. A visitação será aberta ao público no dia 17.
A ideia surgiu no final de março, numa conversa entre o Fuso Coletivo, de Artur Kja e Luciano Cian, e o curador Marco Antonio Teobaldo, diretor do IPN. Decidiram lançar uma convocatória para artistas de todo o Brasil, a partir da indagação: qual é o papel do seu trabalho como ativismo e manifestação sociopolítica diante deste caos no Rio de Janeiro?
Fazem parte da exposição obras de Ana Marta Moura, André Bauduin, Bob N, Cecília Cipriano, Daniela Dacorso, Fábio Gimene, o já citado Fuso Coletivo, Heberth Sobral, Gejo, Geleia da Rocinha, Leila Pugnaloni, Mônica Alencar, Ozi, Pedro Carneiro, Roger Bens Culturais, Sérgio Adriano H, Smael, Tito Senna, Wilbor e Wolmin. 
“Temos o dever de colocar a boca no mundo. Há dez anos, ninguém acreditaria que esse cenário de penúria fosse ocorrer no Rio e no Brasil. Houve a construção de bases para reconhecimento da arte, editais públicos, política para fomentar ações culturais no interior do país, enfim. Agora, estão fulminando tudo”, protesta Teobaldo. “O artista não pode ficar alheio a esta situação”.
Luciano Cian, do Fuso Coletivo, faz coro com Teobaldo: “Não se trata de um posicionamento partidário, mas político. Todas as obras estarão à venda. O IPN não recebe mais ajuda de custo da Prefeitura. Como é possível um equipamento cultural reconhecido pela Unesco correr o risco de fechar as portas?”.
Narrativa visual múltipla
Narrativa visual múltipla 
A coletiva “Absurdo é ter medo” forma narrativa visual capaz de encadear temas como racismo, feminicídio e outras formas de preconceito, diferenças ideológicas e sociais, além do sentimento de impotência diante de tantas tragédias que saltam aos olhos diariamente. André Bauduin, fotógrafo carioca experiente no mercado publicitário, comparece com uma fotomontagem de um ambulante na praia.
Na placa se lê “Genocídio em curso no Brasil Presente”, em alusão à hashtag “mariellepresente”. De Leila Pugnaloni, carioca que vive e trabalha em Curitiba, desponta um desenho marcante, sugerindo a figura etérea feminina, tendo ao fundo o teleférico do Complexo da Maré, onde Marielle Franco nasceu e foi criada.
Sete revólveres cobrem o corpo na obra “Na mira do bandido”. Daniela Dacorso, artista visual e fotógrafa mineira, criou a série “Totoma”, realizada entre os anos de 1998 e 2008, nos bailes funks do Rio, com a qual criou um estilo próprio e ganhou vários prêmios por seu pioneirismo dentro desta cena cultural carioca. Geleia da Rocinha aborda a presença do Bope numa das muitas incursões pela favela através de uma tela colorida em que a favela é uma mulher de pernas abertas.
A obra é de 2010. Misturando intervenção urbana e performance, o Fuso Coletivo apresenta um “ready-made” (objetos deslocados de sua função real), quase tradução simultânea da cidade. Sobre um tabuleiro de xadrez um peão preto é colocado sozinho de um lado e do outro se acotovelam soldadinhos, aviões e até um dinossauro de plástico. “É uma analogia com a luta de classes e de raça, que se confundem com senso de humor”, explica Cian. A arrecadação pela venda das obras será integralmente destinada à manutenção do Instituto dos Pretos Novos.
“Desta forma é possível uma alternativa à sistemática ação de descaso pelo poder público, desde o ano passado. Em 2016 recebemos um prêmo da Secretaria Municipal de Cultura que nos permitiu registrar em catálogo as realizações dos primeiro cinco anos de trabalho”, afirma Marco Antonio Teobaldo, desde 2012 no cargo de curador.
A Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea é um espaço voltado para exposições e experimentações, no qual os artistas são convidados a entrar em contato com o sítio arqueológico do Cemitério dos Pretos Novos e desta forma, trazer o pensamento e produção artística para o contexto da história que o local abriga. O Rio é o ponto em comum nas obras de Leila Pugnaloni, Geleia, Róger BensCulturais, Fuso Coletivo e Antonio Sergio Camargo. 
Serviço 
Absurdo é ter medo ? Coletiva de 20 artistas. ? Curadoria: Marco Antonio Teobaldo Abertura: 14 de abril de 2018 ? 16 horas Visitação: 17 de abril a 14 de maio de 2018. Ter. a sex. ? das 13h às 19h; sáb. das 10h às 14h. Entrada franca. Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea (Rua Pedro Ernesto, 32 ? Gamboa ? Tel.: 2516-7089)http://www.jb.com.br/cultura/noticias/2018/04/10/arte-pro-resistencia/