sábado, 30 de outubro de 2010

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http://www.youtube.com/watch?v=Ow9mnmr5KP0&feature=player_embedded#!

Álvaro de Campos ( heterônimo de Fernando Pessoa ) - 21/10/1935

todas as cartas de amor são ridículas.
não seriam cartas de amor
se não fossem
ridículas.
...também escrevi em meu
tempo cartas de amor,
como as outras,
ridículas.
as cartas de amor,
se há amor,
têm de ser
ridículas.
mas, afinal,
só as criaturas que nunca
escreveram
cartas de amor
é que são
ridículas...





sábado, 23 de outubro de 2010

Terças e quintas- Aulas no atelier: leitura, movimento e desenho.



 exercícios para as mãos
massagem coletiva

desenho de Juceli Palu


 Juceli Palu, Claudia Lopes Bório e Alzira Helena França Brasil

Alan Sartori e Claudia Lopes Bório

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Guache

                                                                          NY, 1982
                                                                     

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

terça-feira, 19 de outubro de 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

domingo, 17 de outubro de 2010

Texto de Fernando A. F. Bini, na íntegra:

LEILA PUGNALONI, o passeio do olhar


Walter Benjamin, o grande leitor de Baudelaire, se apropria da figura do “flâneur”, para descrever a figura do “passeante”, do espectador descomprometido que, por isso mesmo, tudo absorve, tudo frui, do seu passeio, e guarda estas imagens todas para enriquecerem o seu espírito.


Benjamin ainda, inspirado pelo mesmo Baudelaire, vê também na figura do “flâneur”, do “passeante”, do “flanador”, a figura do escritor moderno para o qual “a rua se torna moradia” e para quem “entre as fachadas de prédios, sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes”, e transforma o espectador-leitor no “flâneur” de uma grande cidade, bruscamente surpreendido seja por um cartaz, um anúncio luminoso ou pela organização geométrica dos edifícios.


Das grandes contradições da cidade é que nasce o “fantástico urbano”, segundo Baudelaire.


Isentando-a das demais cargas significativas do termo, o percurso seguido pela artista Leila Pugnaloni, lembra muito o “flâneur”, no sentido descrito por Benjamin.


Ela é esse artista passeante, com um olho acurado, que tudo observa e absorve. Armazenada as informações elas começam a ser transformadas em linhas e cores e que nos levam a um outro “flâneur”, este agora afasta-se da cidade, prefere o campo. É Paul Klee que convida a atravessarmos “um campo não-cultivado (plano cruzado por linhas), depois uma floresta densa. Ele se perde, procura caminho e descreve então o clássico movimento do cachorro correndo. (...) As mais diversas linhas. Manchas. Pontinhos. Planos lisos. Planos pontilhados, riscados. Movimento travado, dividido. Movimento contrário. Entrelaçamento, teia. Traçados de muros, traçados de escamas. Unissonância. Polifonia. Linha que se perde, linha que se intensifica (dinâmica).”


Para Leila é o urbano que conta. Também para Baudelaire; ele desconfiava dos paisagistas, que eram “muito herbívoros” e preferia a poesia das cidades.


Ela nasceu em Copacabana; criança ainda viu Brasília surgir; nos anos 70 acompanhou o desenvolvimento urbanístico de Curitiba – seu pai é arquiteto – estruturas, espaço, iluminação são as suas memórias, junto aos brinquedos e jogos infantis.


Curitiba é o ponto de partida, diz Leila. É o período em que ela tateia em diversas direções: no ensino infantil, na dança e no desenho e neste passeio tateante o seu primeiro ponto de parada foi o curso de desenho e história da arte realizado no Museu Alfredo Andersen (1976).


As primeiras pinturas eram quadros modestos que demonstravam a atenção no fazer artístico, a oficina do quadro, a feitura da tela aprendida com Rubem Esmanhotto e a preparação da tinta.


Novas memórias: o encontro com Alberto Massuda, o mestre paranaense da cor. Leila agora prepara o seu olhar. Por sugestão de Massuda ela ingressa na Escola de Música e Belas Artes do Paraná (1978); a Escola passa ainda pelas crises dos anos 70 que, se por um lado permitiram o desenvolvimento individual dos artistas, impediram o crescimento de uma sociedade artística através do diálogo na busca da inovação.


Volta ao Rio de Janeiro, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, que prepara a Geração dos anos 80, Leila encontra a “abertura intelectual” que precisava. Seus primeiros contatos com a gravura vem da necessidade de subsistência: trabalha como auxiliar de vendas de Gravuras numa galeria de arte e passa a conhecer a Gravura Brasileira.


Conscientiza-se da necessidade de sua própria pesquisa, prática ou teórica, para transformar o visto no visível. De retorno à Curitiba, trabalha com Ênnio Marques Ferreira e Estela Sandrini que lhe possibilitam o contato, agora, com a produção artística do Estado do Paraná. Conhece outros artistas de sua geração que como ela também estavam a procura de soluções; os anos 80, que foram os da abertura política, trazem de novo a necessidade da discussão e do trabalho em grupo à partir do nó contestador dos anos 70. A busca da pluralidade pela troca da informação, do diálogo, do consenso, do companheirismo.


A Geração 80 se volta contra a frieza da arte do período anterior, procura uma “arte à quente” feita no calor da discussão, sem culpa e sem hesitação, com entusiasmo e descontração: intervenções, performances, instalações e “graffiti”. Abandona os espaços formais em busca da rua, das feiras, das festas ou das fábricas.


O que os incomoda é a hegemonia dos grandes centros.


Durante os anos 70, para fugir ao silêncio posto às vanguardas, professores e alunos da Escola de Belas Artes, apoiados pela direção do Museu de Arte Contemporânea do Paraná, organizaram uma série de eventos que se chamou Encontros de Arte Moderna, eles pretendiam reverter o quadro de necessidades teóricas e a falta de informação sobre a arte brasileira e internacional. Este movimento esmoreceu um pouco no final da década e por esta razão, alunos, ex-alunos da Escola e artistas jovens resolvem se unir em grupos para que as discussões teóricas que envolviam a prática artística também não desaparecessem.


No início dos anos 80, Leila retornando de uma temporada no Rio de Janeiro e procurando integrar-se novamente à Escola de Belas Artes, o primeiro grupo do qual fará parte é o Grupo Convergência, formado na sua maioria por alunos da Escola e que pretendiam discutir em grupo seus trabalhos individuais e encorajarem-se mutuamente para exporem em público.


Com origem no Grupo Convergência surge em 1982, o Grupo Bicicleta, também formado por amigos da Escola de Belas Artes, com maiores preocupações teóricas buscando sustentação em Paulo Leminski, Reynaldo Jardim ou Rettamozzo.


Nas exposições dos grupos Leila Pugnaloni expõe desenhos a nanquin e aquarelas denominados por ela de “caligrafias”, num fundo com jogo de texturas e de filigranas que lembram os espaços cheios do barroco ou as garatujas infantis, para destacar em primeiro plano a figura feminina. Parecem a expressão de sensações, de sentimentos, repletos de signos gráficos retirados da observação da natureza que constróem um espaço envelopante e místico a um só tempo. As figuras femininas, centro do desenho, são atemporais surgidas de sua própria existência poética. Estes desenhos já apresentam uma organização de espaço todo particular, partindo da geometrização, da simetria, sugerem o desequilíbrio pelo traço nervoso e espontâneo mas também pelo gesto, estático e atemporal, assumido pelas figuras temas. Tanto Adalice Araujo como Ênnio M. Ferreira, encontram neles uma atmosfera mágica que reflete um misticismo oriental.


No Rio de Janeiro ela encontra diálogo com Anna Letycia Quadros e Darel Valença que contribuem para o amadurecimento de seu trabalho e no desenvolvimento de sua consciência profissional. Leila, sempre atenta ao que acontece no mundo em geral, passa a observar o universo da arte com mais detalhes, os artistas do passado ou do presente, nacionais ou internacionais, produzem nela efeitos que sua personalidade, aberta a esta recepção, começa a sintetizar e integrar na sua obra.


Poderíamos chamar de uma fase alegórica onde todas as suas vivências são transformadas imediatamente em material gráfico, se não estivéssemos tratando da sua formação plástica ainda incompleta – ainda é tateio, ainda é busca, é procura de um caminho, mas com muita força, muita vontade.


Mas Leila é o nômade que procura um lugar para se fixar: ela sempre vem de fora, quando gosta do lugar, vive-o intensamente e procura se apropriar das coisas para torna-las suas.


Ainda em 1982, surge a oportunidade de continuar suas pesquisas em New York e lá ela escolhe o Arts Students’ League, que desde 1875 funciona em forma de atelieres de pintura e escultura. Sempre fiel ao ensino informal e a improvisação, ele não se prende em cursos obrigatórios nem a graus ou níveis; este grau de liberdade do artista na escolha do curso que melhor lhe possa ajudar no encontro de seu próprio caminho, chamou a atenção de artistas como Pollock, Rothko, David Smith ou Louise Bourgeois.


Segue o curso com o gravador brasileiro Roberto Delamônica e o curso de desenho da figura humana com Marshall Glasier. Delamônica foi um dos introdutores da gravura abstrata no Brasil, aluno e depois professor do atelier de Gravura do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, desde meados dos anos 60 leciona nos Estados Unidos, incluindo os cursos no Arts Students’ League. Ele orientava os curso de gravura em metal e privilegiava o grafismo com o uso de texturas, linhas, cifras, desenhos geométricos e textos, mas pesquisou também o uso da cor e do relevo na gravura e a importância do papel como suporte. Seu curso é um reforço, pelo exercício da gravura, para o desenvolvimento do desenho, mas que deixam também registradas na memória da artista as informações correspondentes a abstração.


As aulas de Michel Glasier eram de desenho com modelo, num ambiente descontraído e com muito humor fazia com que seus alunos pensassem o desenho, trabalhando a teoria e a prática. Para ele o papel é o campo de batalha (Rosenberg), e o artista tem que relacionar a folha em branco com o modelo, analisar os espaços cheios e vazios, coordenar a cabeça e a mão. Desenhar é performance, é desempenho, é ritual, mas o estudante não deve começar a criar antes de saber desenhar pois o exercício plástico é um ultrapassar-se constantemente.


Apesar da visão técnica e plástica da arte americana dos grandes formatos ou da espontaneidade com rigor que Glasier desenvolvia em suas aulas, era-lhe impossível esconder sua aproximação com o desenho de Matisse.


Nos Estados Unidos Leila ainda teve a oportunidade de visitar museus e conhecer artistas além de descobrir a importância da qualidade da obra e da personalidade do artista.


De volta ao Brasil e a Curitiba, seu desenho é mais livre, sintético, um máximo de expressão com um mínimo de recursos gráficos e sua linha desliza no papel. Em seguida a figura humana, sem desaparecer completamente, começa a afastar-se dando origem às primeiras abstrações ou reduções de paisagens aos seus elementos simplificados.


Suas primeiras exposições ainda mostram desenhos cuja referência principal é a figura humana e são resultado de um conhecimento técnico e de uma disciplina gráfica apesar de desestruturarem os cânones da composição. Falam de humor, sensualidade, fantasia e otimismo.


O contato com obras de Torres Garcia, Miró, Calder, Picasso, Pollock, Matisse, De Kooning, Jasper Johns, e muitos outros, e o curso de Delamônica, de forte influência para a abstração, a artista começa realizar outra síntese.


As sua memórias dos espaços urbanos em construção, as cidades, e o céu sobre elas resolvendo o problema do espaço que aqui de baixo é difícil de encontrar solução, assim ela inicia suas pinturas sobre telas como se fossem espaços urbanos ou arquitetônicos vistos do alto – é a cidade e a luz da cidade que lhe atraem; mas uma cidade feita de espaço, de quarteirões, de regiões demarcadas, de tramas, como num sistema de redes geometrizadas.


Transforma seus modelos em ícones, construções simples e geométricas, que nos fazem lembrar o construtivismo russo. Mas as pinturas da Leila não querem um afastamento completo do objeto e sim construir uma relação entre modelo real e o modelo gravado em sua memória – Apollinaire dizia que a geometria do cubismo queria “restaurar com grande pureza a essência da realidade”. Parece também que ela não aceita a arte concreta como tal, por parecer muito austera e porque exige uma pureza conceitual, mas ao mesmo tempo ela está procurando uma nova forma de ilusionismo, exclusivamente ótico, cujo espaço é construído pela cor e na cor. Toda pintura responde evidentemente a uma estrutura, ela tem forma e um formato, tem o suporte e suas bordas, mas para ela, uma estrutura pictórica nasce do fluxo do sentimento e da cor.


Neste momento ela acompanha a tendência neo-expressionista que se desenvolve no Brasil, principalmente através da obra de Aguillar, Jorge Guinle, Gerchman e Ivald Granato. Conhece a obra de Anselm Kiefer que revira o passado, a história e os mitos, e mostra o outro lado da cidade, a cidade em ruínas, túmulo da cultura ocidental.


Novas sínteses são realizadas: dos problemas de estrutura e tensão cromática do concretismo, a apreensão da cor como espaço do neo-concretismo – uma visão arquitetônica da cor – o processo de anamenése e a materialidade pictórica do neo-expressionismo e que ainda irão problematizar a figura e o suporte, sendo estas as questões chaves da arte contemporânea.


Esta pesquisa da artista lhe conduzirá à série de pinturas denominadas Alphavelas, nas quais, as espessas camadas de tintas são substituídas por outras diluídas e translúcidas, culminam com a exposição “Alphavelas” no Rio de Janeiro que teve como apresentação um texto de Paulo Leminski: “Alphavelezas”..., ...“espectros de cidades”..., ...“megalópoles interplanetárias”..., “As alphavelas de Leila são arquétipos da sensibilidade, portas/janelas para uma desmedida dimensão.” (Paulo Leminski, 1988)


A cidade moderna, a cidade dos anos 70 e 80, a cidade luz, o brilho, o reflexo, o néon, os contrastes entre o velho e o novo tratados como fantasmas de memória, espectros, fogo-fátuo de signos abstratizados, a imagem que se vê é o signo que pretende não ser um signo, mas que se disfarça para se fazer passar por uma presença. É ícone enquanto procura qualidade, cor, do azul translúcido das formas infinitas surgem os traços luminosos de uma cidade que se espelha, que reflete, espectro de espectro, fantasmagoria.


“Às fantasmagorias do espaço a que o flâneur se entrega correspondem as fantasmagorias do tempo pelas quais o jogador se deixa levar.” (W. Benjamin, Paris, Capital do século XIX)


O que Leila Pugnaloni propõe é jogo, jogo de significação que nasce do diálogo intuitivo da artista e da obra, aí a cor é significação, é vivência, é intuição, mas é também linguagem. Leminski fala de figura e não-figura, de transfigurado, é figural, como diz Lyotard, com referências diretas à paisagem urbana, paisagens noturnas, etéreas, que ficam na nossa memória quando estamos de olhos fechados.


Nota-se também que o plano-paisagem, a forma horizontal do quadro, começa a verticalizar-se. Isto acentua sua espiritualidade, seu valor mágico-místico, mas também se transforma em plano-figura, Leila agora dissimula a paisagem no espaço antropomorfo. São presenças, que dissimulam teatralmente sua antropomorfia, nostalgia do corpo e ao mesmo tempo, pela sua relação formal, um “pensar com o corpo”, das lições de Merleau-Ponty, tão caras aos neo-concretistas.


A teatralidade, a atmosfera, quase irreal, mística e espiritual, absorve o espectador e confunde seu olhar. Há um desejo claro de desmaterializar o sólido e o estático através do espaço-luz, e toda a força desta série está na simplicidade de sua proposição.


O contato com a família Leminski levam-na a buscar informação sobre o construtivismo histórico, o concretismo e o neo-concretismo brasileiros e também provocam uma pareceria. Leila sempre desenhou e, ao mesmo tempo que desenvolvia suas pinturas, ilustrava artigos em jornais e revistas, mas em 1985 surge uma importante associação entre duas poetas: Alice Ruiz e Leila Pugnaloni, produzem o álbum Rimagens; seja nos textos ou nos desenhos, ambas nunca falam de outra coisa tanto quanto falam de poesia. O exercício gráfico do desenho continua sendo o estímulo para novas pesquisas como também lhe fornece a habilidade técnica para resolver as questões pictóricas.


É importante investigar ainda, até que ponto, a artista foi influenciada pelo heterodoxo Leminski e a sua poesia, como também a de Alice Ruiz, que busca o modelo dos Hai-Kais, que são desprovidas de centro e de assunto, de um estilo sucinto, que deixa de lado o “ego” mas não elimina a auto-representação; é possível que as obras pós-Alphavelas, sejam uma tentativa de associar pintura e hai-kai.


Importantes para a artista foi a experiência do trabalho desenvolvido na “Escola de Arte Leila Pugnaloni”, de 1996 a 2000, em que ela aplicava didáticamente os exercícios de sensibilização através do gesto, da dança, da descontração, acompanhado do desenho da figura humana com modelo e dando liberdade aos alunos para realizarem suas obras, estas experiências didáticas são transformadas em experiência plástica na obra da própria Leila.


Como poderíamos prever, resolvidas as questões no plano da pintura, encontradas as soluções da figura, com uma obra amadurecida e sólida, ela não ignora um outro problema que está diretamente ligado à arte contemporânea: o suporte.


Procura investigar o suporte como obra em si e tenta alterá-lo. No fundo plano, bidimensional, pictóricamente irregular, tratado com manchas numa referência gestual, ela aplica pequenas ripas sobe a pintura provocando outra forma de ilusionismo, nova confusão para o observador, entre a realidade e a representação, pois logo em seguida, estas ripas serão dissimuladas pela pintura.


Inicialmente a geometrização se dava pelo material utilizado, a forma geométrica da tela e das peças de madeira, mas logo elas se organizam geometricamente, numa pesquisa visual próxima da Op Art, intimamente ligada a uma sistematização, lembram quase uma matematização dos fenômenos cromáticos nas quais a seqüência lógica das estruturas nascem junto com a seqüência preestabelecida, mas ilimitada, das cores.


Ela utiliza um sistema geométrico colorido, organizado segundo um esquema ortogonal; as formas empregadas são formas neutras e anônimas: linhas, quadrados, múltiplos de quadrados, que estruturam o campo pictórico sem criar motivos, e lembram vagamente o dinamismo urbano de descendência futurista de Torres Garcia.. Mas Leila vai além, ela integra as estruturas reais às da composição plástica, pois existe ainda a recorrência aos seus motivos, urbanos ou arquitetônicos, aliados aos problemas plásticos.


Nem abstração geométrica, nem abstração lírica, sua obra se encontra alhures, é contestadora, quer provocar, exigir do espectador a reflexão com o mesmo rigor que ela pesquisa e medita. Ela tem ainda dois problemas a solucionar com a questão do suporte: de um lado a muralidade, a parietalidade da sua obra e de outro a tela livre, sem chassis.


Leila não abandona a parede, ela transforma o problema da muralidade em problema de lateralidade, usando o recurso das superfícies planas de cor, inevitavelmente limitadas por uma estrutura formada de bordas e sujeitas a elas, mas onde a cor não para na superfície. Os “quase-relevos”, como os denominou Tadeu Chiarelli em 1992, são trabalhos no plano e no volume, a linha da borda funciona como desenho que delimita e separa a pintura do espaço ao seu redor e o efeito aparece por estar na parece, mas que desestabiliza o observador. Estes objetos não podem ser vistos de um único ponto de vista; eles são volumes quase totêmicos, espessuras diferentes, na sua lateral, entre a base e o topo, e assim não são nem frontais nem estáticas, devem ser observadas, como as formas barrocas, em movimento.


O interesse continua ainda no espaço-luz e no espaço-cor e que ela reestrutura este espaço fazendo quase desaparecer os contornos e aplanando o volume, através da cor. De novo o tratamento teatral do jogo ilusionista reforçado pelo uso das cores fosforescentes, ainda em referência ao néon – e é o desenvolvimento dessa estrutura de cor que determina, fundamentalmente, a expansão ou a compressão das bordas exteriores.


O quadro como espaço físico deve ativar a apreensão do “si mesmo” do espectador, pela a sua verticalidade antropomorfa. A serialidade, usada não como a repetição do igual mas do diferente, produz também fenômenos luminosos, “raio de luz”, emanação da luz que proporcionam também o instante vivido da experiência da realidade. Oferece o espaço, o espaço homotético e ao mesmo tempo o espaço que separa o espectador do quadro.


Mesmo feitos em três dimensões não se põe a questão de saber se são pinturas ou esculturas; a atenção está numa espécie de cor, numa “superfície de luz” que solicitam uma resposta sensorial ao material. Volumes de cores vivas presos na parede que existem e funcionam no espaço real, com um forte sentido de sedução, pois a artista considera a cor como um material de estrutura e que ela utiliza para construir formas.


A influência de Matisse sentida nos desenhos dos anos 80 se torna homenagem nas pinturas dos anos 90, dessa influência vem seu interêsse pela cor e pelas formas simples que constituem a base de seu vocabulário e ela recorre a todas as cores disponíveis, brilhantes, fluorescentes, vibrantes, explora as combinações possíveis e os jogos de ilusão que elas determinam.


Das séries à partir de “Alphavelas”, “Quase-relevos” e os “Módulos de Luz”, quando ela estava em busca de uma economia de material e forma, a gestualidade quase desapareceu e a obra se tornava essencialmente ótica, mas Leila não consegue transcender o subjetivismo e simbolismo que a conduziriam a um minimalismo, suas construções do final dos anos 90 retomam as características construtivas e também certas gestualidades, é um vai e vêm constante de referências picturais (Matisse, Mondrian, Newman, Oiticica) mas que ela vai incluir os elementos de uma cultura popular, paredes, portas e janelas de madeira, ripas, mata-juntas, a cor fluo dos graffitis e os elementos voluntariamente kitsch, todos integrados numa pesquisa de forma.


Nas obras à partir de 1998 temos a impressão que a artista começa a apresentar o verso das estruturas que ela costumava usar para pintar; estas caixas formadas pelos chassis por vezes apresentam compartimentos, e as terras que antes serviam para preparar as tintas são colocadas agora em seu estado bruto, outras lembram tábuas deslocada de uma casa de madeira polonesa ou italiana, outras ainda, nos seus compartimentos apresentam desenhos ou inscrições, estes avessos de tela fazem um discurso sobre a sua própria construção e a sua própria história. São construções barrocas que querem fixar a realidade à partir da prórpia realidade.


Alguns desses “módulos” foram retransformados em “cochos” colocados sobre cavaletes e se tornaram canteiros nos quais a artista plantou temperos e pequenas folhagens, a “utilidade do inútil” segundo Leila. A paisagem entrava agora literalmente dentro da sua obra ou se dissolvia nela; estes trabalhos, quando expostos, se transformavam num jardim, obras não só para o olhar, mas também para o sentir.


Os mais recentes trabalhos de Leila Pugnaloni se fixam na reciclagem de seus trabalhos antigos e na reciclagem de sua idéia sobre os mesmos. Volta o tema do jogo, o jogo da forma, entre pictorialidade e desmaterialização, entre matéria e memória: um jogo de memória.


A esta nova série, e série não no sentido de que todas as obras sejam quase parecidas, mas sim formas que são o mais diferente possíveis umas das outras, a artista deu o nome de “Jujus”, a referência é explícita ao termo francês “faire joujou”, expressão familiar de brincar, mas também a um artigo de Charles Baudelaire, “Morale du Joujou” (A moral do brinquedo): na moral dos brinquedos tudo é colocado para alimentar nosso desejo intelectual de desmontar peça por peça uma construção, isto é, buscar a “alma” do brinquedo na desarticulação de seus elementos.


Nos “quase-relevos” Leila exigia uma participação efetiva do espectador em busca do olhar, do olhar dinâmico, do olhar com o corpo, mas um corpo em movimento. Os “Jujus são fragmentos de material, reciclados ou não, que lembram um grande quebra cabeça e querem fazer o espectador jogar. Como fragmentos são partes da memória da artista que quer identificar na memória do observador as suas correspondências. Se não bastassem as peças recortadas nos mais variados formatos, pintadas como se fossem parte dos antigos quadros, com tintas luminosas, as laterais florescentes que “sugerem o afastamento das paredes onde estão fixadas, estas formas trazem também fragmentos de discursos (“o que você vê é o que você vê” de Frank Stella), fragmentos de desenhos, de idéias, de projetos, de pensamentos da artista ou tomados emprestados de outro mas com significados para o seu trabalho.


Na fragmentação ela joga com as ambigüidades, começando com o que diz Merleau-Ponty, para quem “todo visível é talhado no tangível, todo o ser tátil (é) prometido de certo modo à visibilidade”


Os fragmentos cortados como parte de uma imensa constelação nos incitam ao jogo, ao remontar o estranho quebra-cabeça do qual as partes somente aparentam terem sido desmembradas de um único objeto, eles não obedecem a uma seqüência pré-determinada, funcionam isoladamente ou em conjunto, alguns lembram formas conhecidas (pássaros, peixes) mas quando fixados não obedecem o sentido que escolheríamos, eles podem ser recriados quase ao infinito, buscam a banalização, pois tudo é banal e tudo é passível de ser transfigurado.


A história da arte contemporânea nos mostra uma sucessão de transformações, de transfigurações, no dizer de Arthur Danto, das coisas comuns, dos objetos simples conduzidos pelos artistas a objetos de fruição estética, mas sempre há necessidade da vontade do artista, o mesmo Danto escreve: “A teoria institucional da arte é certamente capaz de indicar as razões pelas quais uma obra como “A Fonte” de Duchamp pode ser elevada da categoria de simples objeto para a categoria de arte. Mas ela não explica porque foi este urinol em particular o objeto de uma promoção tão importante, enquanto que outros urinóis, exatamente iguais a ele, continuam numa categoria ontológicamente desvalorizada. Nós nos encontraremos sempre com dois objetos indiscernáveis dos quais um é obra de arte e o outro não”


É esta a mensagem que Leila Pugnaloni pretende nos dar com as suas obras recentes?


Depois de nos fazer entender sobre a materialidade da cor e a imaterialidade da luz, da planeidade do espaço pictural ilusionista com uso dos monocromos com os jogos entre luz de superfície e superfície de luz, ela retorna a Matisse e seus papéis recortados procurando a unidade entre forma e fundo, entre a cor e a superfície, sublimando sua “estética da presença” em muros coloridos, agora com os fragmentos da sua, e também da nossa, realidade.






“Uma parte de mim é só vertigem


a outra, linguagem” (Ferreira Gullar)










Fernando A. F. Bini


Professor de História da Arte e Crítico de Arte



sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Texto do Manoel Carlos Karam, sobre o meu atelier.

Idéias em forma de luz


(Era uma vez.)
Uma história: procurava a luz, ao mesmo tempo era procurada pela luz. Encontrou e foi encontrada. A mão no pincel, a luz na ponta do pincel.
Nada se perde, tudo se transforma em luz. Luzes em linha reta, luzes paralelas, luzes que se encontram aquém do infinito.
Não há pincel, não há tinta, basta uma varinha mágica.
As mãos e a obra



(Eram duas vezes.)
Ateliê = andaime.
Descrição de um ateliê: vaivém, entra-e-sai, algaravia interna, som da rua, música, telefone, paz. Sempre assim no Rio, New York, Brasília, Curitiba.
(No ateliê de Curitiba, exclusividade, o abanar de rabo da Valentina.)
A Leila que fugiu da escola faz do ateliê o lugar de preencher o vazio, o lugar de ter consciência do inconsciente, o lugar de mixar influências e afluências, o lugar.
Foi no ateliê onde, um dia, sem tinta, restou usar a luz do sol.
Jardim com rodas




(Eram três vezes)
A reinvenção do jardim seguida da reinvenção da roda.
A reinvenção da roda seguida da reinvenção do trânsito.
A reinvenção do trânsito seguida da reinvenção da travessia.
Jardins Transportáveis: planta + desenho sobre papel sob placa de vidro. (No jardim nascem traços.)
Jardim com direito de ir e vir.
Leila reinventada, Ana reinventada, a tribo reinventada.


(Eram n vezes.)




Desafinado - Quarteto Jobim/Morelenbaum

http://www.youtube.com/watch?v=fjhJ8wZLYH4&feature=player_embedded#!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Sobre minha pintura, um texto do Paulo Herkenhoff- completo.

Mirando a janela A Pintura de Leila Pugnaloni/





Pintar para Leila Pugnaloni é a incorporação de significados emergentes da própria tradição de pintura. É nessa perspectiva que seus procedimentos são mobilizados para produzir sentido através de uma pintura que é interpretante de si mesma. Daí a artista mesma pensar-se na perspectiva desenvolvida por Kant na Crítica da razão Pura: esta pintura propõe-se a trabalhar seu suporte, criticando-o. A ação pictórica de Leila Pugnaloni – pode ser uma aparente tautologia – opera-se no domínio da pintura. A artista compreende estrategicamente que a pintura constitui-se em si mesma num operador teórico. É a partir dos próprios modelos estabelecidos historicamente que Leila Pugnaloni problematiza esta pintura. Portanto, pintar é necessariamente investigar um território de certezas da tradição, que, no entanto, também inclui dúvida, ironia e acidente, conforme as contingências contemporâneas. Estamos diante, pois, de uma adesão ao modelo de historicidade (Damisch) de pintura.






Em pequena eu via uma cidade se erguendo - Brasília - depois venho para Curitiba e vejo uma cidade se construir, com um projeto, um planejamento, revela Leila Pugnaloni. Uma nostalgia retorna como desejo de construção na sua série de pinturas Alphavelas, expostas em 1989 . O tema pode ser descrito como projeto de trabalhar a cidade como uma teia de estranhezas, precariedades e tensões físicas e humanas. Havia uma ambigüidade entre abstração e representação, que permitia evocar a cidade de Antonio Bandeira. Na apresentação dessa mostra, Paulo Leminski chamou as Alphavelas de arquétipos da mente e portas/janelas para uma desmedida dimensão. “Mas não há só figura e não-figura: há, sobretudo, um território limítrofe, transfigurado”, arremata. São obras onde ainda se retém o sentido mimético, mas já a artista deixa entrever sua intenção de alinhamento com o que se denomina genericamente projeto construtivo brasileiro.






A pintura de Leila Pugnaloni conforma-se como um espaço de resistência do moderno. Inúmeras referências poderiam ser traçadas aqui na história. No entanto, a obra está impregnada de possibilidades dentro da arte contemporânea brasileira. Sua relação não admite a encenação citacionista da obra de artistas consagrados, mas toma questões de pintura como nível de problematização ao qual se propõe a investigar. Sua sensibilidade propõe referências á obra suprasensorial de Hélio Oiticica tanto quanto à delicada inteligência de artistas como Ione Saldanha. O Mondrian de Pugnaloni estaria dentro de Barnett Newmann. Podem ser discutidas suas relações com a obra de John Mc Cracken ou Dan Flavin. Noutra perspectiva, a artista afirma peremptoriamente: Não sou minimalista, sou uma pintora que pinta sobre superfícies e aceita seus acidentes, seus “defeitos”. Eu pinto como não se deve pintar, conclui.






O desdobramento amadurecido da obra de Leila Pugnaloni será encaminhado para acentuar a experiência do suporte, como estrutura física e território plástico. O projeto tem a intenção de construir uma tangibilidade para a pintura. E esta pintura não terá o menor pudor de não ser apenas superfície e plano. Se na obra de Leila Pugnaloni a pintura ganha tangibilidade, isto já não é superfície, como uma pele tocada pelo olhar, mas sim um corpo. O ponto de partida é a experimentação do espaço muito para além da planaridade.






O momento decisivo de sua experiência é o desenvolvimento dos “módulos de cor”, volumes pictóricos com espessura diferente da base ao topo. Vistos no sentido da parte mais estreita e na projeção da linha diagonal, cada módulo atua como uma promessa de dissolução de corporeidade, como uma paradoxal possibilidade de retorno à origem planar, à pura superfície da pintura. Em algumas pinturas atuais – espessura igual do plano ao topo, como uma tela estendida sobre um bastidor mais largo – o suporte-volume cria regiões inacessíveis ao olhar. Na visão frontal, há cor que se vê “ardendo”, mas não se vê o ponto de onde provém, seja uma superfície lateral pintada, ou a parte superior ou inferior. Há momentos em que a pintura é a luz que esplende, rebatendo sobre a camada de cor. É uma pintura feita também com halos e denotação. Não é, então, a pintura que constrói ou representa a luz, mas a própria luz que denota e testemunha a existência de pintura, ali onde temos a inacessibilidade e o limite.






Na história da arte brasileira foi necessário caminhar 180 graus em torno dos Objetos Ativos (1960) de Willys de Castro. Visava-se um contínuo de visões da imagem em relances, sempre como se fixando um ponto de vista sobre a pintura tridimensional que se projeta da parede. A obra de Willys de Castro talvez indique uma prevalência de um momento privilegiado de descoberta dos jogos de espaço, o qual é definido no olhar. Seria possível arriscar a falar de uma prevalência da imagem e do espaço sobre o tempo (se for admitido cindir e medir proporções nesta relatividade espácio temporal). Já os bambus de Ione Saldanha estabelecem hipóteses de caminhar em torno (um percurso de 360 graus em torno de troncos). O tempo é, portanto, circular. A circunavegação em torno do bambu-cilindro aponta para a possibilidade infinita do círculo, para um percurso que só se interrompe com outra operação do desejo, o deixar de olhar. A experiência de Ione Saldanha propicia homogeneidade e diferença. Os anéis de cor mantêm a ordem de um olhar em circulação, mas a singularidade de cada momento de sua pintura oferece uma diversidade de gestos, tons e transparências. A obra de Pugnaloni, portanto, não é mais pintura como um espaço unitário, porque também convoca o espaço concreto de ação física do espectador para apreender a totalidade de experiências abertas por esta pintura. É preciso deambular à sua volta para formular concretamente as possibilidades da percepção. As requisições são de um percurso do corpo, isto é, um andar que dê mobilidade ao olhar para dinamizar a visão da obra. Portanto, ver já não estaria apenas na ação física do globo ocular de se fixar numa imagem, mas num deslocamento do próprio corpo determinado pelo desejo na busca da percepção fenomênica. Caminhar pode tornar-se então a perambulação de um garimpo de visões sutis.






É freqüente que na obra atual de Pugnaloni uma pintura se componha por módulos, conjugados em dada ordem. Não há jogos de encaixes. Nem de formas que se complementam ou continuam de um módulo a outro. No entanto, o movimento da pintura é a busca de sua própria coesão de sentidos.






Numa obra de Pugnaloni, doze partes verticais podem remeter às Estações da Cruz, uma pintura serial de Barnett Newmann. “Lema Sabacktani? Pai por que me abandonaste?” – a agonia de Newmann encontra seu curso na exploração dos limites do olhar: “Não vejo porque tudo é preto. Não vejo porque tudo é vazio. O deslocamento agônico propicia o êxtase. Na hora da crise, não existe lugar certo; nós balançamos, duvidamos, trocamos de posição da esquerda para a direita e de novo”. A redução, o ritmo horizontal de partes verticais – são questões operadas por Barnett Newmann que se podem ser evocadas agora. Também na obra de Pugnaloni, o lugar onde as partes se articulam é na percepção. É aí que certa continuidade ou alguns jogos impõe sua lógica. É necessário tramar ressonâncias, garantir harmonia e pensar na música em seu registro de silêncio tocado por esta pintura.






Em algumas pinturas de Leila Pugnaloni, há uma cor que arde. É como uma brasa viva. Iluminante. Resplandece dos planos laterais para ocupar os espaços entre os módulos. O território de luz é uma pintura do vazio. A luz que vem dos lados é fosforeada pela cor pictórica. E esse vazio entre os módulos, alaranjados, nos remetem à idéia de um Cubocor sem corpo, sem espaço de pura luz. Pugnaloni oblitera as fronteiras da cor, entre a sua incorporação delimitada pelo plano e aquela revelação luminosa.






Não se pode confundir as inovações tecnológicas com alteração meramente física da substância sensível da pintura. Elas só interessam quando permitem rearticulações estéticas da experiência da pintura. A tinta day glo é um significante do “misticismo de baixo custo”, diz o pintor Peter Halley criticando o modernismo idealista. “É o resplendor crepuscular da radiação”, define. As possibilidades do signo pictórico defrontam-se agora com a contravertida questão da substância do signo. Tudo isso remete à investigação da coerência desse interesse de Pugnaloni na obra do americano Peter Halley e, ao mesmo tempo, de alguns brasileiros, especialmente neoconcretos. Na América Latina falou-se de uma “geometria sensível”, que não se quer aqui como a imprecisão romântica de uma bela alma geômetra, mas um campo de tensões, não exclusivamente plásticas, mas permeados pelos fatos da vida, seja a paisagem social no americano, seja o resgate do sujeito no horizonte brasileiro. A crise da geometria não é de esgotamento formal, mas de seu processo de significação. Pugnaloni está entre os artistas que propõe que o olhar esqueça a geometria e pense pictorialmente.






Matisse não pensava a cor como transcrição da natureza, mas como possibilidades de suas sensações. “Usei a cor como meio expressar a minha emoção”. Não é a quantidade que conta, mas a escolha e organização. A única vantagem que provém disso é que a cor tem uma liberdade universal, mesmo nos grandes magazines, conclui . Na obra de Leila Pugnaloni ocorrem cores estridentes. Às vezes cegantes. Elétricas. Tintas day light. Há fosforescência. Nenhuma possibilidade pictórica ou cromática cederia a qualquer veto ou limite canônico. Na obra “Matissinho”, teríamos certas harmonias matisseanas em cores iridescentes. Ocorrem alguns timbres. Nela constroem-se sutilezas, recorrendo-se à composição material da tinta para aumentar a carga de diferença: há um preto fosco chupando a luz, enquanto outro preto, iridescente, torna-se espelho. A superfície pictórica aparenta então ser mais profunda e mais rasa do que seu estatuto concreto, como se a luz projetada sobre ausência de luz (o preto) terminasse por construir uma incerteza do lugar.






A tradição da pintura e da cor podem ser também a história dos materiais. A lógica da pintura se refaz com novas possibilidades da tecnologia, que alteram regras de seu código. O método pictórico admite as transformações introduzidas pela pintura industrial. Acolhe também outras possibilidades do jogo de percepção. Entre módulos de uma mesma obra de Pugnaloni, podem ser encontradas partes de pintura chapada e outras onde se divisa a pincelada. Sob uma superfície monocromática transparente, pode-se divisar ainda os veios e os movimentos orgânicos da madeira. A genealogia brasileira aqui leva às Tecelares de Lygia Pape. No extremo, a madeira é valor pictórico, podendo ser um plano em que aparece pura e crua. A organicidade do material remete-nos agora à carnalidade da pintura, de que nos fala Merleau-Ponty.






A artista desloca seu público. Estamos agora diante de um cenário para um teatro de aparências, alegorias. Numa obra, Pugnaloni toma uma escada de madeira de um pintor de parede. O objeto contém vestígios de pintura. Há uma irônica referência a um procedimento e a um campo. E ainda a uma fatura material. Presa à escada uma caixa de porcelana para instalação elétrica solta um longo fio elétrico pintado em tinta fluorescente. Poderíamos falar de linha, luz e energia, mas esse pequeno gesto de pintar um fio é uma reafirmação da crença na pintura. Noutro grupo de obras, Pugnaloni incluiu um grande código de barras na sua pintura. Está ali por seu valor gráfico e para desempenhar presença pictórica. Nessa aparente recaída de “representação simbólica”, o código de barras é uma imagem de utilidade, mas cujo conteúdo seus usuários são dispensados de leitura/compreensão.






Estamos diante de uma artista, cuja pintura, com sua epifania e êxtase, vive aqui seu amadurecido momento de perda da função imageante . Em seu processo, a artista, filha de arquiteto, constrói um olhar e deixa de olhar através da janela, para mirar a própria janela.






Paulo Herkenhoff

Vasarely

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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

domingo, 10 de outubro de 2010

sábado, 2 de outubro de 2010